quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Chatear e encher



Um amigo me ensina a diferença entre chatear e encher. Chatear é assim: Você telefona para um escritório qualquer da cidade.

- Alô! Quer me chamar por favor o Valdemar?
- Aqui não tem nenhum Valdemar.

Daí a alguns minutos você liga de novo:

- O Valdemar, por obséquio.
- Cavalheiro, aqui não trabalha nenhum Valdemar.
- Mas não é do número tal?
- É, mas aqui nunca teve nenhum Valdemar.

Mais cinco minutos e você liga para o mesmo número:

- Por favor, o Valdemar chegou?
- Vê se te manca, palhaço! Já lhe disse que o diabo desse Valdemar nunca trabalhou aqui?!
- Mas ele mesmo me disse que trabalhava aí!
- Não chateia!

Daí a dez minutos, liga de novo.

- Escute uma coisa! O Valdemar não deixou pelo menos um recado?

O outro desta vez esquece a presença da datilógrafa e diz coisas impublicáveis. Até aqui é chatear. Para encher espere passar mais dez minutos, e faça uma nova ligação:

- Alô! Quem fala? Quem fala aqui é o Valdemar! Alguém telefonou para mim?

CAMPOS, Paulo Mendes. Para gostar de ler. São Paulo: Ática, v.2, p. 35.


Abraço do Leo!

Namoro



O melhor do namoro, claro, é o ridículo. Vocês dois no telefone:

- Desliga você
- Não, desliga você
- Você
- Você
- Então vamos desligar juntos.
- Tá. Conta até três
- Um... Dois... Dois e meio...

Ridículo agora, porque na hora não era não. Na hora nem os apelidos secretos que vocês tinham um para o outro, lembra? Eram ridículos. Ronron. Suzuca. Alcizanzão. Surusuzuca. Gongonha (Gongonha!). Mamosa. Purupupuca...

Não havia coisa elhor do que passar tardes inteiras num sofá. Olho no olho, dizendo:

- As dondozeira ama os dondozeiro?
- Ama.
- Mas os dondozeiro ama as dondozeira mais d que as dondozeira ama os dondozeiro.
- na-na-não. As dondozeira ama os dondozeiro mais do que, etc.

E, entremeando o diálogo, longos beijos, profundos beijos, beijos mais do que de línguas. Beijos de amígdalas. Beijos catetéricos. Tardes inteiras. Confesse: ridículo só porque nunca mais.

Depois do ridículo, o melhor do namoro são as brigas. Quem diz que nunca, como quem não quer nada, arquitetou um encontro casual com a ex ou o ex só para ver se ela ou ele está com alguém. Ou para fingir que não vê. Ou para ignorar. Ou para dar um abano amistoso querendo dizer que ela ou ele agora significa tão pouco que podem até ser amigos, está mentindo. Ah, está mentindo.

E melhor do que as brigas são as reconciliações. Beijos ainda mais profundos, apelidos ainda mais lastimáveis, vistos de longe. A gente brigava mesmo era para se reconciliar depois, lembra? Oito entre dez namorados transam pela primeira vez fazendo as pazes. Não estou inventando. O IBGE tem as estatísticas.

VERÍSSIMO, Luís Fernando. Correio Brasiliense. 13/06/1999.


Abraço do Leo!